Facebook
16/08/2024 - 17h45m

INCLUSÃO

ARAGUATINS: Estudante surdo do IFTO produz cartilha com sinais de frutas regionais em Libras

Por Bico 24 Horas

Material é resultado de TCC e projeto de ensino.

Estudante surdo do IFTO de Araguatins produz cartilha com sinais de frutas regionais em Libras (Foto: Divulgação)

No dia 9 de agosto foi realizada a defesa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado: "Frutos da minha terra: Botânica em Libras ”, no Campus Araguatins do IFTO. Esse poderia ser somente mais um trabalho relevante do curso de Engenharia Agronômica. Mas, foi além, recebeu o selo do ineditismo e marcou a história de inclusão da unidade de ensino, pois chegava à etapa final do seu curso, o primeiro estudante surdo do Campus Araguatins, José Fernando Ferreira de Sousa.

Em uma sala lotada e sob os olhares atentos de sua banca examinadora, contando com a tradução do intérprete, William Jhone Ferreira, José Fernando defendeu com propriedade o trabalho construído com a orientação do professor Alessandro Oliveira Silva. Após a apresentação, veio a expectativa da nota e a emoção ao ser informado pelo seu orientador que havia sido aprovado com nota 10, a nota máxima. Confirmando assim, a qualidade do seu trabalho. 

Para José Fernando, o momento foi de muita emoção e significou a superação de mais um obstáculo que ele venceu com nota máxima, contando com o apoio de toda a sua família, que estava reunida na apresentação e participou de todo o processo de elaboração de seu trabalho. José Fernando fez questão de homenagear sua avó Maria Helena, que faleceu em dezembro de 2023, mas sempre torceu pelo seu sucesso. Para ele, a defesa do seu TCC evidenciou que ele pode ir muito além do que poderia imaginar.

O objetivo do TCC, defendido pelo estudante, foi tornar acessível ao surdo os sinais dos frutos, que são comuns na região do Bico do Papagaio e até mesmo no Tocantins, parte do Pará e Maranhão. Com a preocupação de integrar a comunidade ouvinte à realidade do surdo e à riqueza da biodiversidade florística daquela região. O TCC teve como produto a produção de uma cartilha com sinais de frutos regionais em Libras. Acesse aqui ou aponte sua câmera para o QR-code abaixo e confira.

O professor Alessandro Oliveira explica que a ideia do trabalho surgiu a partir das aulas de botânica, do curso de Engenharia Agronômica. “José Fernando se interessou por botânica e pediu para fazer um treinamento no Labot IFTO (laboratório de Investigações  Botânicas), no Herbário IFTO. Durante o treinamento pensamos na proposta de projeto para o TCC. Inicialmente, pensamos em fazer uma adaptação do herbário para visitantes surdos. Pensamos em um aplicativo com os sinais relacionados a Botânica e herbário. Contudo, discuti  com a co-orientadora, professora Lucinalva Ferreira, decidimos desenvolver o projeto Frutos da minha terra: Botânica em Libras, como um projeto de ensino”, esclareceu Alessandro.

O projeto de ensino

Sobre o projeto de ensino, a professora Lucinalva Ferreira acrescenta que foi realizado um levantamento bibliográfico, com aulas teóricas sobre o alfabeto manual e pronomes pessoais, expressões faciais, manuais e corporais, os nomes das frutas em Libras. O projeto foi aplicado com estudantes dos cursos técnicos e superiores do campus, com carga horária de 40 horas.

Como culminância do projeto de ensino foi realizada uma exposição de todo material produzido, com lançamento da cartilha e degustação de produtos derivados dos frutos pesquisados-cartilha, na Casa da Cultura de Araguatins, que contou com visitação de 150 estudantes de 5 instituições de ensino da cidade. Além disso, a cartilha foi disponibilizada no formato digital e entregue versão impressa no Campus Araguatins e para as escolas visitantes.

Resultados 

Para o professor Alessandro, o projeto desenvolvido por meio do TCC de José Fernando trouxe várias contribuições e pontua algumas delas. “Há muitas contribuições que o trabalho pode fornecer. Primeiro é a integração da comunidade surda com a ouvinte, através de uma temática que envolve o cotidiano das pessoas. Todos consomem esses frutos em nossa região e isso pode se tornar facilmente uma pauta de integração entre surdo e ouvinte. Além disso, o trabalho deve partir da vontade do estudante em estudar um tema. Foi o que ocorreu com José  Fernando. O trabalho é de sua autoria e todas as decisões foram tomadas a partir do seu desejo de estudar a temática com a nossa orientação”, declarou Alessandro.

O professor explica ainda que o resultado do trabalho foi além do objetivo traçado, inicialmente, contando com a elaboração de sinais inéditos, que podem extrapolar os limites da academia e alcançar a comunidade surda e ouvinte de todo o país, quando os dados forem publicados. A ideia, agora, é produzir um artigo científico para garantir ampla divulgação dos resultados acadêmicos. 

Uma trajetória de desafios marcada pela determinação e apoio familiar 

Em 1997 nascia José Fernando Ferreira de Sousa, um filho desejado por sua mãe Silvonete Ferreira, fruto de uma gravidez sem intercorrência, e definido pela família como uma criança saudável. Silvonete conta que aos 6 meses de idade, José Fernando contraiu uma infecção no ouvido, que foi investigada em uma consulta médica e tratada com antibióticos. No entanto, nos meses seguintes, algo chamava atenção de quem convivia com José Fernando, em especial do seu avô, ele não tinha reação às tentativas de comunicação verbal,  quando estava de costas, ou a qualquer barulho próximo a ele. Então, a  mãe de José Fernando resolveu levá-lo ao médico  para investigar o que estava ocorrendo com a audição dele. Feitos alguns exames, veio o diagnóstico, ele era de fato, surdo. Um dos ouvidos com perda auditiva profunda, acima de 90 decibéis (DB), no outro tem perda auditiva de grau severo, com 75 decibéis (DB).

A partir deste momento, as perspectivas da família sobre a vida de José Fernando foram  redirecionadas. Porém, havia uma certeza, a ele seriam oferecidas as mesmas oportunidades que são ofertadas às crianças sem nenhuma especificidade, inclusive ingressar na escola regular. Ali começava uma longa jornada de desafios e muita superação. A  mãe de José Fernando, Silvonete Ferreira, fala um pouco das dificuldades. “Na escola também não foi fácil; os professores e equipe não tinham conhecimento de Língua Brasileira de Sinais - Libras e nem sabiam como agir, pois não possuíam formação para trabalhar nesta área. Como ele não entendia o que era ensinado na escola, não sentia vontade de estudar. Mas, eu nunca desisti. No dicionário das mães não existe a palavra desistir”, declarou Silvonete. 

José Fernando relata que na sala, com os estudantes ouvintes, ele não conseguia compreender o conteúdo repassado pelos professores e não se comunicava com os colegas. Além disso, não contava com um intérprete para auxiliá-lo. Por conta disso, José Fernando define o ensino fundamental como confuso. Ele afirma que não entendia com clareza os conteúdos das disciplinas, que apenas copiava, os professores falavam de costa muitas vezes, o que dificultava sua tentativa de fazer leitura labial e quando tentava perguntar algo aos colegas, era motivo de risos. “Quando passei para o 6º ano do ensino fundamental fui reprovado, e chorei muito. Eu não entendi. Acredito que nem meus professores também entendiam por que eu reprovei. Pois eles não sabiam Libras e nem como lidar com um aluno surdo” afirma José Fernando.

Ele acrescenta, que no ensino médio, o cenário se repetiu e vieram reprovações e choro, mas com dedicação ele conseguiu concluir o ensino médio. Nesse período, o Campus Araguatins nomeou um intérprete de Libras, que por coincidência, era o intérprete, William Jhone Ferreira, que José Fernando havia conhecido em uma visita à escola bilíngue e ao IFMA no município de Imperatriz-MA.  Ao iniciar sua atuação no Campus Araguatins, Willian esteve à frente da  oferta de um curso de Libras, o qual José Fernando participou como cursista, pois até então, ele não era fluente em Libras. Após a conclusão do seu curso, José Fernando foi convidado para atuar como colaborador do projeto de extensão e ministrar aulas. “No curso, eu fui professor de professores meus, fiquei feliz em contribuir com pessoas que fizeram parte da minha formação acadêmica”, disse José Fernando.

Mas, sua história com o IFTO estava apenas começando, ali, por ter familiares que haviam se formado na instituição, José Fernando sempre nutriu o desejo de ingressar na instituição. Em 2017 é aprovado para o curso Técnico em Agropecuária na modalidade subsequente e Bacharelado em Engenharia Agronômica do Campus Araguatins do IFTO, dentro das vagas reservadas para pessoas com necessidades específicas, optando por ingressar no curso de Engenharia Agronômica.

O Campus Araguatins já contava com um intérprete em Libras, mas ainda assim, houve dificuldades de adaptação para José Fernando e para os professores. Dificuldades essas, que foram sendo vencidas com adaptação de materiais didáticos, orientações a professores e monitoria ofertada pelo Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne). Com o acompanhamento do Napne e dos intérpretes de Libras, José Fernando foi se sentido cada vez mais parte da instituição de ensino. Atuante em sala de aula e fora dela.

Após a conclusão do curso de Engenharia Agronômica, José Fernando planeja ingressar no mundo do trabalho e buscar constantemente mais qualificação. Além disso, ele se inspira no irmão, Gustavo Ferreira,  que também é engenheiro agrônomo, com a certeza que  com determinação, luta pelos seus direitos e com o apoio de sua família pode ir cada vez mais longe.

Deixe seu comentário:

BRK Campanha: Sites Tocantins 2024 - JULHO1ClésioAvecomGPS