Matéria Publicada na Revista Época, 23 de agosto de 2014
A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) é uma das principais porta-vozes do agronegócio. Sua atuação no Congresso em defesa do novo Código Florestal, aprovado em 2012, e contra a criação de áreas de preservação sem dotação orçamentária a aproximou da presidente Dilma Rousseff - e despertou contra ela a ira dos ambientalistas. Segundo Kátia, a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva, indicada como candidata a presidente pelo PSB na semana passada, sempre tratou o agronegócio com antipatia e terá dificuldades para manter o apoio conquistado pelo ex-governador pernambucano Eduardo Campos no setor. "Infelizmente, perdemos Eduardo, e agora Marina é candidata", diz Kátia.
ÉPOCA - O agronegócio nunca teve boas relações com a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva - e vice-versa. Como a senhora vê a confirmação da candidatura de Marina à Presidência?
Kátia Abreu - Essa desconfiança e essa rejeição do agronegócio em relação a Marina foi ela mesma quem criou. Ao longo de sua vida, ela sempre teve um ativismo ambiental muito forte e uma forte antipatia pelo setor. Ela cultivou essa animosidade de forma proposital, nos tratando com agressividade. Sempre digo que quem planta soja colhe soja; não colhe milho, não. Essa postura que ela teve no passado vai prejudicá-la muito agora, com essa parcela do eleitor.
ÉPOCA - Como essa antipatia de Marina se manifesta?
Kátia - O melhor exemplo que podemos dar foi a mudança do Código Florestal brasileiro, em 2012. Ela simplesmente se recusou a dialogar com o setor. Fincou o pé contra todas as modificações. Numa democracia, a gente tem de ser aberto ao diálogo, principalmente quem pretende governar um paÃs. Os produtores rurais procuraram abrir o coração para sair do radicalismo, mas não havia disposição para conversar. O comportamento da ex-senadora Marina Silva, criticando os produtores rurais, sempre prejudicou nossa imagem nos centros urbanos e também no exterior. Gerou uma imagem nossa de destruidores de meio ambiente e trouxe prejuÃzos inestimáveis ao paÃs. Durante o perÃodo em que ela ficou à frente do ministério ( 2003 - 2008 ), houve uma imobilidade total na área ambiental.
ÉPOCA - Quais são as crÃticas do setor em relação a Marina?
Kátia - A maior crÃtica que o agronegócio tem em relação a ela é pelo seu radicalismo. Ela fez da questão ambiental um dogma, uma religião. Esse é o principal motivo. Ela se recusa a dialogar e a abrir sua mente para outras situações que a sociedade demanda. O Código Florestal não ficou perfeito, mas foi possÃvel, porque, numa democracia, todos temos de ceder para a sociedade poder avançar. Ninguém tem absoluta razão sobre nada. Mas ela não quis entender isso. Começou a dizer que o novo código é um retrocesso - e repete isso sem explicar o que quer dizer, sem apontar o artigo, o inciso, o parágrafo que a incomoda, para a gente ver o que pode ser feito. Alguém com o peso dela na área ambiental dizer que o código é um retrocesso beira a irresponsabilidade, porque não é verdadeiro.
TECNOLOGIA A senadora Kátia Abreu. "Graças à pesquisa e à inovação, já fazemos agricultura sustentável há anos"
Kátia Abreu
ÉPOCA - Uma semana antes de o ex-governador Eduardo Campos morrer, ele esteve com Marina na sede daConfederação da Agricultura e Pecuária (CNA), em BrasÃlia, para debater suas propostas para o setor, e foi bem recebido. A senhora acredita que Marina manterá esses compromissos?
Kátia - Infelizmente, perdemos Eduardo, e agora Marina é a candidata. Queremos saber e ouvir suas propostas e fazer uma análise. Agora, ela terá uma segunda chance de explicar melhor o que considera uma agricultura sustentável. Em 2010, quando ela foi candidata pela primeira vez, não conseguiu explicar isso. Apesar da importância do agronegócio, responsável por 25% do Produto Interno Bruto (PIB), 36% do emprego e US$ 100 bilhões de exportações por ano, não tivemos nenhuma sinalização clara do que Marina pensa a respeito do setor.
ÉPOCA - O deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), candidato a vice de Marina, tem um trânsito com os produtores rurais. Será que ele poderá tentar uma aproximação de Marina com o setor e reduzir as restrições?
Kátia - Essa é outra pergunta a que não posso responder. Conheço Beto pessoalmente, é uma pessoa do diálogo, mas não sei qual será a estratégia que eles usarão.
ÉPOCA - É possÃvel conciliar desenvolvimento com sustentabilidade?
Kátia - Já fazemos no Brasil a agricultura sustentável de forma inconsciente há alguns anos, graças à pesquisa e à inovação. Se produzÃssemos o que produzimos hoje, com a tecnologia de 30 anos atrás, precisarÃamos do dobro de área desmatada. Fizemos uma poupança ecológica. A área privada não se expandiu na mesma proporção do avanço da produtividade no campo. Isso é muito valioso. Temos hoje a produção de alimentos em 27% do território nacional e preservamos 61% do território - incluindo reservas indÃgenas que não podem ser desmatadas, unidades de conservação criadas ao longo dos anos, terras devolutas do Incra e também a reserva legal, dentro de nossas propriedades. Os outros 12%, segundo o IBGE, são cidades e obras de infraestrutura(estradas, rodovias, hidrelétricas). Qual paÃs do mundo acumulou esse percentual? Nenhum. Rússia e Canadá têm um número maior em termos proporcionais, mas são paÃses cobertos por gelo. Quem abriu mão de terra agricultável foi o Brasil.
ÉPOCA - A senhora critica o ambientalismo de Marina, mas apoia a campanha da presidente Dilma à reeleição. Oual sua visão sobre as invasões de propriedades rurais, patrocinadas pelo Movimento dos Sem Terra (MST) e outros apoiados pelo PT?
Kátia - Sempre fui e continuo sendo radicalmente contra as invasões de terra, contra qualquer ação que puser em risco o direito de propriedade e a segurança jurÃdica. Também devo dizer que invasões de terra acontecem há décadas, não só no governo do PT. Outro ponto importante é que não apoio diretamente o PT, apoio a presidente Dilma.
Porque criei uma interlocução do setor com ela e aprendi a conviver com seu pragmatismo. Dilma fez com que a reforma agrária tivesse outra visão, um fortalecimento dos assentamentos, em detrimento da ampliação desbragada de assentamentos. É por isso que você vê toda hora lÃderes do MST criticando a presidente Dilma. Temos também um acordo com o Instituto Chico Mendes e com o Ministério do Meio Ambiente, para não criar unidades de conservação sem dotação orçamentária. Em relação à expansão de terra indÃgena, desde abril de 2013 não são publicadas novas portarias de ampliação. O que me faz apoiar a presidente Dilma é a resposta que ela deu à agropecuária. Agora, a questão do PT com os produtores do Brasil é histórica. Essa rejeição, as idéias e os movimentos sociais de invasão de terras foram sempre apoiados pelo PT, mas nunca senti que a presidente Dilma apoia da mesma forma.
ÉPOCA - A indústria de açúcar e de álcool representa uma fatia importante do agronegócio brasileiro e foi praticamente sucateada nos últimos anos. Qual sua visão sobre essa questão? Kátia - Realmente, no setor de açúcar e álcool não houve uma polÃtica adequada. A questão dos acordos comerciais também precisa evoluir. Precisamos ampliar os acordos comerciais, mas o Mercosul tem nos prejudicado. Nos três anos de governo Dilma, tivemos a votação do Código Florestal, da MP dos Portos, e isso consumiu muito tempo. Não tem nada perfeito no governo. Não defendo a perfeição, mas houve avanços.
ÉPOCA - A senhora tem viajado bastante nos últimos anos. O que tem conseguido para o agronegócio brasileiro lá fora?
Kátia - Esse é um trabalho que tem me encantado muito. A gente passou muito tempo preocupado com o mercado interno, porque ele era suficiente para nós. Se você olhar seis ou sete anos atrás, só 20% do que produzÃamos era exportado, concentrado muito em soja e carne. Hoje, são 34%. Estamos com um projeto de marketing, com o Rei Pelé, para mudar a imagem do agronegócio brasileiro. Fiz palestras em todas as universidades e veÃculos importantes na Europa e nos Estados Unidos.
ÉPOCA - No caso da China, que hoje compra mais produtos agropecuários do Brasil que a Europa, o que foi feito?
Kátia - Fui cinco vezes à China em um ano e oito meses, tentando entender a China para poder abrir mercado para o Brasil. Há um potencial enorme para a gente aumentar a exportação de carne bovina. Eles compram quase tudo da Austrália, que é muito perto deles. Temos de entrar com a vantagem competitiva de custo de produção e de qualidade superior. Queremos instalar churrascarias na China, e estamos negociando com a rede Rubaiyat, para chamar a atenção para a carne brasileira por meio dessa vitrine. Trabalhamos duro para aproveitar esse mercado asiático, um dos maiores do mundo hoje.
Há um potencial enorme para ampliar a exportação de carne bovina para a China