ARTIGO
Voltando para casa ao final de mais um dia de intenso trabalho, por uma janela danificada e que faltava o vidro, no transporte coletivo que seguia contornando as grandes rotatórias, seguidas por intervalos de largas e extensas avenidas de nossa capital Palmas, a mais jovem do país, avistei um cidadão que atravessava o canteiro central que separa as duas vias da maior reta da cidade.
Aparentando ter entre 40 e 45 anos de idade, trajava uniforme de uma empresa de construção civil e apresentava um olhar profundo e cansando. Enquanto levava na sua mão esquerda uma vasilha de margarina, que acredito ser o recipiente usado para armazenar o seu almoço acenava veemente com a direita ao motorista do ônibus para que o esperasse chegar até o ponto, para então poder chegar até sua casa e possivelmente descansar e recarregar as forças para uma nova batalha no trabalho no dia que seguinte.
Porém, não foi visto ou atendido em seu pedido quase súplica! Com o ônibus ainda em seu campo de visão, curvou sua cabeça e continuou a caminhar em direção ao local de parada mais próximo. Neste momento ouviu-se uns burburinhos dos passageiros no interior do veículo que continuava em movimento. Uns contras, outros demonstrando apoio a atitude do condutor enquanto outros sorridentes e criadores de caricaturas diversas (às vezes assustadoras) entre uma mensagem e outra dos aplicativos de celulares, não viram o evento e possivelmente não saberão apreender isso quando acontecer com eles, como ação rotineira na vida de quem necessita deste tipo de transporte para chegar a algum lugar na capital.
Observando aquele cenário, estive a refletir: quantas situações parecidas e vexatórias acontecem todos os dias em nossa frente e não vemos ou não nos damos conta do seu descaso e frieza. Neste mesmo sentido, me vir a pensar: para onde caminha a humanidade? Em qual direção você a caminhar? Quais valores estamos elegendo para defender ou quais princípios seguimos?
Resultado da reflexão que me acompanhou durante todo o percurso feito até chegar a faculdade é que todas essas perguntas por mais obvias que pareçam ser suas respostas, estão ficando cada vez mais difíceis de responder com uma boa dose de convicção e veracidade.
Percebi que são muitos os motivos que a vivencia nos determina e que encontramos guiados pelas amarras atualidade, invisíveis aos olhos, para mantermos ocupados e diuturnamente com coisas e ações fúteis e impensadas que seriam percebidas a qualquer tentativa minúscula de criticidade (redes sociais, jogos, aplicativos, ganância). Não me vejam como conservador ou nas minhas palavras desmerecimentos ou tentativa de tirar os méritos e vantagens destes meios facilitadores da vida humana, mas apresento uma necessidade de atenção para o uso ininterrupto e voraz destes, que tiram a sensibilidade e o poder da visão do ser humano para além das telas fungibilizadas dos Smartphones.
Outro fator importante na mesma intensidade da sua periculosidade, é a corrida que se aplaca na velocidade do egoísmo, da inveja e da ambição por lucratividade e o desejo de se dá bem perante os demais. Isso pode ser visto em todos os espaços e ambientes, atingindo trabalho, grupos de amigos, relacionamentos e até a família.
A cada dia assistimos inertes, inúmeros casos de desrespeito às leis em todos os setores da sociedade na tentativa de burlar o outro e assim tirar proveito de pessoas e situações. Crescente naturalização da pobreza, da miséria e das mais diversas necessidades sociais, políticas, culturais e humanas, com discursos alinhados e clichês centenários.
Responsabilização aos não culpados por causas e conseqüências de responsabilidade de muitos acovardados. Redirecionamentos de responsabilidades e acumulação de regalias por quem não necessita e que deveriam ser defensor da verdade e da desprovida maioria que clamam por atenção e que alargam as estatísticas das mazelas.
Os Corruptos, corruptores e corrompidos que usam o terceiro dedo maior da mão para determinar culpados, excluídos e merecedores de penalidades, privilégios e imunidade são os mesmos que ditam na sua grande maioria as leis, as normas e regras da sociedade.
Ver nitidamente uma minoria abastarda, isenta de atribuições e responsabilidades sendo alimentada por uma ampla maioria exaurida por tributos, taxas, faturas e juros.
Em fim, vejamos o obvio, que aquele senhor, João, Manuel, Joaquim, Zé.... que hoje não foi ouvido na sua necessidade, representa milhões de brasileiros que acordam cedo e dormem tarde todos os dias para realizar algo além do seu simples e duro trabalho. Acordam para prover o sustento de seus filhos, mas, também para pagar água do Palácio do Planalto, do Jaburu, do Araguaia, da Assembleia Legislativa, do passo municipal...
Usa a vasilha de margarina como marmita por ter que pagar o telefone o carro, o cigarro, a diária, o salário, o avião, o coffee break e o aluguel do ministro, do presidente, do deputado, do governador, do prefeito...
Ele perdeu o ônibus por está ocupado demais trabalhando para pagar as contas altíssimas que estão em casa, resultado das continuas altas de impostos, inclusive do combustível que possibilitava o movimento ao ônibus que não pôde esperá-lo para.
Fica a indagação: quantos cidadãos será preciso continuar perdendo para que mudemos não o nosso olho, mas a forma de olhar o que acontece, como está acontecendo, porque acontece e o mais importante de tudo, qual a nossa atitude diante disso tudo.
Burburinhos não!